Veículo: Valor Econômico - Online
Clique aqui para ler a notícia na fonte
Região:
Estado:
Alcance:

Data: 30/10/2023

Editoria: Sem categoria
Assuntos:

Perda de fôlego da inflação se aproxima do fim

Apesar do conforto com o resultado do IPCA-15 (prévia da inflação) de outubro e o entendimento de que, após ultrapassar 5% em 12 meses, o índice de preços ao consumidor vai desacelerar até o fim do ano, economistas apontam que fatores de desinflação estão chegando ao fim.

“Estamos passando pelo melhor momento da inflação no sentido de que, daqui para frente, muito do que a trouxe para baixo vai começar a se esgotar”, afirma Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos.

Alimentos, por exemplo, que rodam em deflação, costumam subir no fim do ano, observa Sobral. “E, depois, ainda tem o risco do El Niño, que pode puxar para cima”, diz. No acumulado em 12 meses até o IPCA-15 de outubro, o grupo alimentação e bebidas avança apenas 0,69%. A alimentação no domicílio, por sua vez, recua 1,05%.

Matheus Pizzani, economista da CM Capital, destaca uma forte mudança de trajetória, em comparação ao que vinha acontecendo ao longo do ano até aqui, no comportamento diário de preços de alguns itens importantes, como a carne bovina, que fechou setembro no campo deflacionário, mas caminha para encerrar outubro com alta de quase 15%.

Os preços dos alimentos ainda devem terminar 2023 com variação zero ou negativa, mas, para 2024, vão começar a subir, “até por causa dessa base de comparação”, diz Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos. “Vemos uma crise meio contratada para o arroz, porque produtores do sudeste asiático não conseguiram entregar o prometido”, exemplif

Entre os bens industriais, o ano também tem sido “muito bom”, diz Sobral, com a normalização das cadeias, queda nos preços de frete e a valorização cambial. “A inflação de industriais vem bem baixa, mas tem data para acabar. Vemos que os preços de porta de fábrica começaram a subir de novo. Isso deve pegar na inflação mais no começo do ano que vem”

Em relatório, a equipe do J.P. Morgan lembra que, nos últimos anos, os preços no atacado subiam mais do que aqueles ao consumidor. Essa relação se inverteu em 2023. A questão agora, dizem, é saber até que ponto ainda há quedas nos preços ao produtor por vir, o que poderia empurrar mais para baixo a inflação ao consumidor. “A resposta curta a essa pergunta é: não muito, nos nossos cálculos”, dizem os economistas Vinicius Moreira e Cassiana Fernandez.

“As quedas dos preços nos atacados industriais e agrícolas estão moderando e é provável que, em breve, abandonem o campo deflacionário”, afirmam.

“Quando falamos que os fatores de desinflação estão se esgotando, parece que vai ser um cenário horroroso. Não é isso”

Os seus modelos indicam, por exemplo, que a relação entre preços agrícolas e ao consumidor deve convergir no início de 2024. “Não esperamos que os preços dos alimentos ou dos bens acelerem substancialmente no curto prazo. Mas os seus impactos baixistas no IPCA deste ano – incluindo efeitos secundários nos serviços através de mecanismos de indexação — podem estar perto do fim”, afirmam Moreira e Fernandez.

O processo de desinflação no atacado aconteceu com intensidade entre meados de 2022 e de 2023, diz Fábio Romão, economista da LCA Consultores. “Isso chega de maneira defasada no varejo. No atacado, já perdeu força”, afirma.

O Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), por exemplo, voltou a registrar variação mensal positiva em setembro, depois de cinco quedas seguidas, e deve subir de novo em outubro, segundo Romão. “Não é nada que exceda a sazonalidade, mas é um cenário que sinaliza que o ano que vem não vai ter um alívio tão importante”, diz.

Romão projeta deflação de 14,8% no Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) agropecuário neste ano. No passo seguinte da cadeia, os produtos alimentícios no IPA industrial devem recuar 6,7% e, por fim, a alimentação no domicílio cairia 1,7%. Para 2024, porém, a perspectiva é que o IPA agro suba 2,6%, os produtos alimentícios avancem 3,7% e a alimentação em casa feche o ano com alta de 3,8%.

“Quando falamos que os fatores de desinflação estão se esgotando, parece que vai ser um cenário horroroso. Não é isso. Historicamente, 3,8% na alimentação no domicílio ainda é uma taxa comportada”, pondera Romão. O mesmo vale para os bens.

De qualquer forma, com o fim do efeito mais benigno da deflação de commodities nos alimentos e a desaceleração da queda em bens perdendo fôlego, “o que sobra são os serviços”, diz Leonardo Costa, economista da ASA Investments. “Mas o mercado de trabalho ainda está muito aquecido, o que dificulta a desaceleração”, afirma.

Nos 12 meses até o IPCA-15 de outubro, a inflação de serviços ainda está em 5,4%, mas ela chegou a rodar em 9% em meados do ano passado. “Precisamos entender se essa desaceleração de serviços vai ter mais fôlego para trazer a inflação para baixo. Vemos com certo ceticismo, mas os dados recentes têm ido nessa direção”, diz Costa.

Cruz concorda que “os pontos bons [para a desaceleração da inflação] meio que já foram”, mas justifica um IPCA passando de algo ao redor de 4,5% neste ano para 4% em 2024 exatamente por causa dos serviços. “Observamos a inflação sempre em 12 meses, e houve momentos mais fortes dos serviços no começo deste ano que não devem se repetir. Parece que a inflação de serviços que veio para ficar é em patamares mais baixos”, diz.

De onde virá a desinflação daqui para frente foi um debate que marcou as reuniões no último encontro do Fundo Monetário Internacional (FMI), conforme contou o próprio presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto. “Os pontos que eram óbvios de desinflação não são mais”, disse.

Para Cruz, uma fonte de descompressão da inflação para o ano que vem ainda pode ser o petróleo, já que a tendência é de uma demanda global mais fraca.