Nesta semana, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os dados de serviços e de varejo no país. Ambos, no entanto, foram desanimadores. Pelo lado de serviços, enquanto o mercado esperava o quarto avanço seguido do setor em agosto, ele apresentou queda de 0,9% no mês. No varejo, as vendas caíram 0,2%. É bem verdade que foi menos do que o esperado, mas o setor segue patinando. Mas, na bolsa, um deles tem se destacado mais do que o outro.
Das 11 ações de serviços mapeadas, oito estavam no azul no ano até o pregão da última terça-feira (17). Já no segmento do varejo, de 21 papéis, só seis acumulam alta no período. Os outros 15 estão em queda.
O que está impactando essas companhias?
Maria Fernanda Quelhas, analista de ações da Warren, afirma que o cenário é conturbado para esses segmentos. No topo de lista de preocupações relacionadas aos setores estão algumas mudanças regulatórias que podem afetar o caixa dessas empresas. A começar pelo projeto de lei (PL) que visa acabar com os Juros sobre o Capital Próprio (JCP).
O JCP é uma das formas usadas pelas empresas para distribuir parte do lucro aos seus acionistas e é usada como um instrumento tributário importante, já que o valor distribuído pode ser deduzido do imposto de renda das companhias como despesa financeira. Portanto, segundo a analista, se o projeto de lei que visa acabar com o mecanismo for aprovado, isso pode impactar negativamente companhias como as varejistas.
Um outro ponto que pode afetar essas companhias é o Remessa Conforme, programa do governo que inclui isenção de imposto de importação para compras de até US$ 50 com a contrapartida da cobrança de ICMS em uma alíquota única de 17%. Segundo analistas da XP afirmaram em relatório, “o anúncio melhora a competitividade de empresas internacionais em relação aos varejistas locais”. Isso, portanto, pode ser uma “ameaça” ao setor.
Mas existem coisas positivas no radar, segundo analistas. A começar pelos juros menores, que não só incentivam o consumo como também aliviam o próprio balanço das companhias.
“Temos mais dias úteis nesse ano do que no ano passado, quando tivemos Copa do Mundo. Além disso, o clima mais quente devido ao fenômeno El Niño beneficia o varejo de vestuário. O programa Desenrola, de renegociação de dívidas aderido por varejistas, também é um ponto positivo. Além da própria queda de juros por aqui, que deve descomprimir um pouco as contas dessas companhias”, afirma Maria Fernanda, da Warren.
O setor de serviços, por sua vez, ainda surfa na onda da “demanda reprimida” após a pandemia. É bem verdade que, comparado ao ano passado, o efeito de “recuperar o tempo perdido” após a covid-19 perdeu um pouco a força, mas essas companhias continuam se saindo bem, especialmente devido a teses específicas de cada papel.
A GetNinjas, plataforma que conecta clientes a prestadores de serviços, acumula alta de quase 40% no ano e ganhou tração após circular a notícia de que a Reag Investimentos fará uma oferta de aquisição pelos papéis da empresa.
As companhias aéreas também têm tido um desempenho positivo ao longo do ano, especialmente após a recomendação de bancos estrangeiros favoráveis a companhias como a Azul (que acabaram puxando junto os papéis da Gol).
Em quem investir?
No segmento de varejo, os analistas têm apostado especialmente em empresas voltadas para a alta renda. Ações como as da fabricante de calçados e acessórios Arezzo e da joalheria Vivara costumam aparecer entre as preferidas. No ano, porém, só a segunda tem alta: 20,60% de avanço da Vivara contra 19,03% de queda da Arezzo.
O atacarejo Assaí também se destaca entre os preferidos por atender ao público de varejo e também de atacado e por estar inserido em um setor resiliente e com uma demanda mais perene.
“A Vivara é líder no setor de joias com mais de 18% de participação de mercado. A companhia tem um público-alvo resiliente e segue expandindo também sua linha de produtos mais acessíveis através da marca Life“, afirma Gabriel Costa, analista da Toro Investimentos. Ele destaca ainda que a empresa tem um “amplo potencial de crescimento, seja através do aumento do número de lojas ou da penetração dos produtos Life entre os consumidores”.
Mesmo em queda no ano, a Arezzo também entra na lista de favoritas do analista da Toro. O trunfo da marca, segundo Costa, é justamente ser voltada ao público de alta renda, além da grande capilaridade em todo o país.
“A Arezzo detém marcas consolidadas no mercado feminino das classes de maior poder aquisitivo, se distanciando da briga por preços das demais concorrentes de moda e sendo menos sensível a variação de renda de grande parte da população. A companhia conta com mais de mil lojas, um modelo de distribuição robusto e tem se provado como excelente alocadora de capital”, afirma.
Na lista de favoritas do especialista, ainda entram ações como a do atacarejo Assaí, a quem ele se refere como “um dos principais players do mercado brasileiro no setor alimentício”. “A companhia está inserida em um setor resiliente, com grande parte dos seus produtos apresentando demanda inelástica, gerando volume de vendas com recorrência, mesmo em períodos de dificuldades econômicas”, afirma o especialista.
Lucas Rietjens, analista da Guide Investimentos, também coloca a Vivara entre suas favoritas. Para ele, as ações da marca de joias estão mais baratas do que o preço justo. “Acreditamos que esta seja uma excelente oportunidade para comprar os papéis da Vivara, considerando que a companhia está inserida em um setor resiliente e em um ambiente competitivo favorável”, afirma.
No segmento de serviços, a Azul tem ganhado destaque na recomendação dos analistas, especialmente após a companhia registrar um balanço positivo no segundo trimestre. A empresa teve um lucro líquido de R$ 23,9 milhões no período, revertendo o prejuízo do ano anterior.
Com isso, vários analistas passaram a recomendar os papéis da empresa. O J.P Morgan, por exemplo, elevou a recomendação da ação para compra e destacou que a companhia tem sido bem sucedida em seu processo de recuperação de dívida. Na sequência, o Goldman Sachs também elevou a recomendação e destacou a reestruturação de dívida da empresa.
Seja como for, os analistas pedem cautela com os segmentos. Afinal, o cenário ainda é nebuloso e ganha contornos mais complicados devido ao cenário norte-americano. Isso porque, com a possibilidade de que os juros fiquem maiores por mais tempo por lá, há uma fuga de capital rumo à segurança dos títulos públicos norte-americanos. Isso tende, portanto, a penalizar os ativos de renda variável, especialmente em países mais arriscados como Brasil. Assim, os setores mais defensivos (como o financeiro e de commodities) é que podem se apresentar como um caminho mais seguro nesses momentos.