Equilibrando-se entre um cenário de crédito ainda caro, mas desemprego baixo, o comércio varejista teve mais um mês de lado em agosto.
Segundo a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), o volume de vendas no varejo restrito recuou 0,2% em agosto ante julho e 2,3% em relação ao mesmo mês de 2022, na série com ajuste sazonal. Na classificação do IBGE, o resultado é apontado como estabilidade estatística, por estar dentro da margem de erro do levantamento.
A queda foi menor que a mediana estimada pelo Valor Data, de retração de 0,7% na margem. Já a variação em relação ao mesmo mês do ano anterior, superou a mediana das expectativas, de 1,4%.
No varejo ampliado, que inclui as vendas de veículos e motos, partes e peças, material de construção e atacarejo, o volume de vendas caiu 1,3% na passagem de julho para agosto, descontados os efeitos sazonais e alta de 3,6% ante agosto de 2022. Este resultado veio pior que o ponto médio das estimativas, de 0,7% e 5,0%, respectivamente.
Em julho o comércio restrito havia registrado alta de 0,7% e retração de 0,3% no conceito ampliado.
Cinco das dez atividades pesquisadas tiveram contração: outros artigos de uso pessoal e doméstico (-4,8%), livros, jornais, revistas e papelaria (-3,2%), móveis e eletrodomésticos (-2,2%) e tecidos, vestuário e calçados (-0,4%) e material de construção (-0,1%).
Por outro lado, registraram crescimento o comércio de veículos, motos, partes e peças (3,3%), hiper, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo (0,9%), combustíveis e lubrificantes (0,9%), equipamentos e material para escritório, informática e comunicação (0,2%), e artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria (0,1%).
De acordo com o gerente PMC no IBGE, Cristiano Santos, o setor apresenta estabilidade desde fevereiro. “Este ano tem apresentado resultados muito próximos de zero, diferentes dos últimos anos”, disse. Em sua avaliação, isto é reflexo do cenário de altos juros no Brasil.
Outro fator que pesa sobre o desempenho de determinados segmentos, como móveis e eletrodomésticos, é a crise contábil de algumas redes de varejo, diz. “Essa crise financeira das redes ocasionou um fechamento de lojas, o que afetou as vendas. Isso continuou acontecendo em agosto”, disse Santos.
Para o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Daniel Xavier, o desempenho entre setores deixa claro que os segmentos dependentes de crédito, como bens duráveis, sofre os efeitos defasados da política monetária. Por outro lado, os bens sensíveis à renda mostram resultado melhor.
“As vendas dos supermercados, ajudadas pela trajetória de deflação dos alimentos, que se traduz em um ganho de renda, confirmam essa visão. O mesmo se aplica à performance dos combustíveis. exemplifica.
Aposta do governo federal para ajudar o setor, o programa Desenrola, ainda não tem efeito visível sobre a dinâmica do varejo, na opinião de Isabela Tavares, economista da Tendências. “O programa começou em julho, mas seus efeitos ainda são marginais. Acredito que deve ter mais impacto no fim do ano, à medida que as renegociações façam cair a inadimplência e, com ela, o risco de crédito”, diz. “Já o impacto da Selic mais baixa só deve ter efeito mais visível ano que vem.”
A PMC é a última das grandes pesquisas setoriais do IBGE a ser divulgada, junto com o levantamento da indústria (PIM) e dos serviços (PMS). Com os resultados de agosto, os economistas calibram suas projeções para a atividade econômica no terceiro trimestre e também no ano. E a direção apontada é ligeiramente mais negativa.
Nos cálculos de Xavier, do ABC Brasil, o carrego estatístico do varejo para o terceiro trimestre passou de +0,7% para -0,4% após o dado de ontem. Já o monitor em tempo real do PIB no terceiro trimestre, que até então apontava para algo perto da estabilidade, passou a indicar um número levemente negativo, de até -0,2%.
“Vale lembrar que essa tendência já era esperada, a questão é entender qual será a intensidade do movimento. Para o ano, não muda nossa projeção de PIB, dado que o carrego estatístico do primeiro semestre foi de 3,1%”, diz.
Para Claudia Moreno, economista do C6 Bank, o desempenho abaixo do esperado do comércio, aliado à queda mais intensa que o esperado dos serviços, corrobora a visão de desaceleração mais intensa nos últimos meses.
“Para o terceiro trimestre, aumentou a chance de termos uma contração do PIB. Com isso, nossa previsão para o crescimento do PIB de 2023 de 3% ganhou um leve viés de baixa”, afirma em nota a clientes.