Veículo: Valor Econômico - Online
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Data: 18/10/2023

Editoria: Sem categoria
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Batalha entre gigantes de mídia evolui para lojas e experiências presenciais

A partir de 2025, a Netflix deverá lançar lojas físicas. A expectativa é que os locais sejam parte loja, parte restaurante e parte entretenimento imersivo. Segundo a Bloomberg, que revelou a novidade, o projeto levará o nome de Netflix House.

Não é um movimento isolado. Campinas recebeu em setembro a primeira loja da Marvel na América Latina, e o parque de experiência da Globo, o gexperience, em São Paulo, reabriu no último dia 11 de outubro após passar por uma reforma e ampliação. A partir de janeiro de 2024, o gexperience também vai inaugurar um novo modelo de negócios, expandindo sua atuação com um projeto itinerante que vai rodar seis estados brasileiros.

Empresas vistas como digitais lançando suas próprias lojas físicas não são uma novidade. AmazonMoblyWine e tantas outras adotam a estratégia. Mas porque plataformas de streaming e mídia, como no caso da Netflix e da Globo, que vivem de criar produtos audiovisuais?

Até certo ponto, as razões são as mesmas para todas as marcas, independentemente do produto comercializado. Apesar da conveniência do comércio eletrônico, o envolvimento único que acompanha as compras em lojas físicas não pode ser replicado online.

Sendo assim, muitas marcas nativas online estão expandindo suas redes de varejo para canais físicos para atender à demanda por experiências imersivas e sensoriais para os clientes. “Além disso, as marcas nativas digitalmente também têm sido motivadas a reconsiderar seu foco exclusivo online devido ao aumento dos custos de aquisição de clientes, à crescente concorrência nos canais digitais e às preocupações com a satisfação do cliente”, afirma relatório da The Greater Group, consultoria especializada em varejo.

Não é segredo que desde o início da crise do streaming, em abril de 2022, quando a Netflix divulgou que perdeu 200 mil assinantes e caiu 35% na bolsa em um único dia, o setor vive dias difíceis. Desde então aconteceram demissões, cortes de curtos e duas greves (roteiristas e atores). Também houve estagnação do crescimento de novos assinantes e a disparada dos custos de produção. Atrair e reter clientes está se tornando um desafio cada vez maior para as plataformas.

Siga o dinheiro e imite a Disney, mas sem o streaming

Mas talvez a melhor explicação para o crescente investimento de empresas de mídia em experiências esteja nos números da Disney. Após a gigante realizar massivos investimentos em sua plataforma de streaming, o Disney+, a empresa reviu sua estratégia e está novamente voltando suas atenções para os parques, resorts e cruzeiros.

Desde 2019, a Disney já perdeu mais de US$ 11 bilhões com sua divisão de streaming. Enquanto isso, a divisão de Parques, Experiências e Produtos é a mais rentável do conglomerado. Esta área da empresa relatou receita de US$ 8,3 bilhões apenas no último trimestre, um aumento de 13% em relação ao mesmo período de 2022, e teve lucro operacional de US$ 2,43 bilhões.

Nos últimos três trimestres, o lucro operacional da divisão de parques superou o do chamado negócio de TV linear por centenas de milhões de dólares na Disney. Para muitos é um sinal claro de que há uma mudança irreversível no mercado, com menos lucros da TV aberta e a cabo. O streaming, que era a esperança para repor a receita da TV linear, se mostrou mais caro e menos rentável do que se imaginava.

Tanto a TV linear como o streaming são imbatíveis quando se trata de atrair a atenção das pessoas de maneira concentrada e construir marcas e produtos amados. Ou seja, aliar mídia e experiência, como a Disney já faz, é uma fórmula poderosa. O lançamento do documentário de David Beckham na Netflix, em poucos dias, trouxe mais de meio milhão de seguidores para o jogador.

Em setembro, a Disney informou à SEC que planeja gastar cerca de US$ 60 bilhões para expandir seus parques temáticos, linhas de cruzeiro e resorts ao longo da próxima década, quase dobrando seu investimento no setor.

Além disso, marcas suficientemente amadas oferecem grandes oportunidades de negócios em diversos setores. Em Golden Oak, um projeto imobiliário no Walt Disney World Resort, em Lake Buena Vista, na Flórida, os preços das casas começam em alguns milhões de dólares (uma casa de aproximadamente 630 metros quadrados atualmente à venda na comunidade está disponível por cerca de US$ 12 milhões), sem contar a decoração.

Aumento de preços e combate ao compartilhamento têm limites

 

A Netflix, mesmo sendo a única gigante do streaming a operar com lucro, não está alheia a este movimento. Subir os preços de assinatura, combater compartilhamento de senhas e aumentar a eficiência do conteúdo foram estratégias bem-sucedidas, mas não são sustentáveis em longo prazo.

O sucesso de iniciativas como o Tudum, evento que aconteceu em São Paulo e reuniu mais de 10 mil fãs no Parque do Ibirapuera, mostra que a empresa também melhorou consideravelmente neste jogo, apesar de ainda carecer de franquias com o mesmo peso de concorrentes tradicionais como a Disney e a Warner. Mas séries como Bridgerton e Stranger Things já deram origem a experiências presenciais de sucesso.

Como escrevi em junho, após a realização do Tudum, em mundo de big techs e IA, a melhor aposta da Netflix é ser a Coca-Cola do streaming (a Coca-Cola também tem lojas próprias e até restaurantes, como em Orlando, e até mesmo um museu, em Atlanta).

E o Brasil pode ser particularmente promissor para eventos de entretenimento. A CCXP, convenção brasileira de cultura pop nos moldes da San Diego Comic-Con e que acontecerá a partir de 30 novembro em São Paulo, reuniu em sua última edição mais de 280 mil pessoas, 300 artistas e 104 marcas e gerou mais de 246 horas de conteúdo.

A lição de Taylor Swift aos gigantes de mídia

 

Diversificar os negócios será uma prioridade para os gigantes de mídia. Para os consumidores, a notícia é bem-vinda. Está cada vez mais claro que para os fãs não basta amar um personagem, é preciso viver a experiência.

O recorde mundial de bilheteria do documentário The Eras Tour, sobre a turnê de Taylor Swift, recentemente lançado nos cinemas, atesta este fato e mostra como a intersecção entre audiovisual e experiências físicas devem ser cada vez mais integradas.

O filme faturou US$ 96 milhões em sua primeira semana nas bilheteiras americanas, de acordo com a Comscore e mais US$ 32 milhões internacionalmente. O resultado de US$ 128 milhões — quebrou o recorde para um filme de concerto anteriormente estabelecido por ‘This Is It’ de Michael Jackson, em 2009 (US$ 74,3 milhões).

Vale lembrar que Taylor, a exemplo de outros músicos, viu seus lucros com a venda de discos caírem com o crescimento do Spotify. Mas a queda de receita imposta pelo streaming de músicas foi compensada pelos preços mais altos dos showsTaylor também diversificou suas fontes de receita e faz um consistente trabalho de marketing. A turnê da cantora deverá faturar US$ 2,2 bilhões até seu encerramento em 2024.

À medida que reter a atenção das pessoas e conquistar o bolso do consumidor está cada vez mais difícil, criar experiências pode ser um caminho altamente rentável, um dos poucos que restaram no setor de mídia, cada vez mais competitivo.