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Data: 09/10/2023

Editoria: Sem categoria
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Mercado vê dólar de volta aos R$ 5 no fim do ano

Entre o meio de setembro e o começo de outubro, os títulos do Tesouro americano (Treasuries) viram seus rendimentos avançarem com ímpeto. A disparada deu margem para que o dólar apreciasse globalmente, penalizando em especial as moedas da América Latina. No caso do câmbio brasileiro, o dólar saiu do patamar de R$ 4,85 em 18 de setembro e foi para R$ 5,16 na sexta-feira. Apesar da valorização da moeda americana, superior a 6%, a perspectiva é de recuperação real até o fim do ano.

O dólar deve terminar 2023 no patamar de R$ 5,00, segundo a mediana das 42 estimativas coletadas pelo Valor com instituições financeiras e consultorias. O que deve permitir a retomada do real é o alívio na pressão dos Treasuries, puxado pela reversão de fatores técnicos observados nos últimos meses, além de sinais de exaustão da atividade econômica resiliente nos Estados Unidos. Esse cenário se combina à perspectiva mais esperançosa sobre a seara fiscal no Brasil e também com a expectativa mais baixa sobre a retomada chinesa.

A coleta de projeções, no entanto, foi concluída na sexta-feira, antes do ataque o grupo extremista palestino Hamas a Israel, que deve aumentar a aversão ao risco no mercado nos próximos dias.

De qualquer forma, mesmo antes desse novo fator, as projeções já indicavam bastante incerteza no cenário. Há, entre elas, amplitude de R$ 0,50. Enquanto a casa mais otimista com o desempenho do real em 2023 espera que o dólar encerre o ano a R$ 4,80, a mais pessimista acredita que a divisa americana fechará cotada a R$ 5,30.

Ainda que as projeções possam indicar caminhos distintos, há semelhanças nos tópicos de maior atenção citados entre analistas ouvidos pelo Valor, que fazem parte do “Top 5” de câmbio do segundo trimestre de 2023 no relatório Focus, do Banco Central.

“A curva de juros americana é agora o principal ponto para o câmbio”, diz o sócio e diretor de renda fixa e multimercado da Rio Bravo Investimentos, Evandro Buccini. “Tem questões internas que afetam, claro. Como o fiscal, que parecia que ia melhorar e não melhorou tanto, e isso tem impacto. Mas o principal fator vem do exterior.”

Assim como indicado por Buccini, os juros dos Estados Unidos são citados por economistas e analistas de mercado como o maior peso para o movimento dos ativos globais no fim deste ano, e não apenas para o câmbio. Nos últimos dois meses, os rendimentos dos títulos americanos dispararam, seja por questões de fundamentos (economia mais resiliente nos Estados Unidos e perspectiva de que o Federal Reserve, banco central do país, irá manter juros altos por mais tempo), seja por questões técnicas (leilões de títulos mais volumosos pelo Tesouro americano para cobrir o financiamento da dívida do país e redução do balanço de pagamento do Fed).

Na avaliação de Arthur Mota, estrategista de macroeconomia do BTG Pactual, são os fatores técnicos que devem ter papel mais preponderante no alívio dos Treasuries no fim deste ano. “Bem ou mal, as razões baseadas em fundamentos [da abertura da curva de juros] já eram conhecidas. Ainda que o posicionamento do Fed tenha afetado o mercado de nas últimas semanas, não dá para dizer que foi uma grande novidade”, diz. “Por isso, são comportamentos técnicos que precisam perder força ou reverter para que vejamos um cenário diferente.”

Nesse sentido, Mota diz que, para interromper tal dinâmica ligada a razões técnicas, é preciso que ocorra algum evento macroeconômico ou algum fator micro. “Uma vantagem já foi observada com a coleta de impostos das empresas americanas porque os números vieram bem melhores que o esperado. Isso significa que o caixa do Tesouro abriu bastante, e eventualmente as emissões de títulos nos leilões no fim do ano poderão ser menores”, diz.

O estrategista menciona também a temporada de balanços do terceiro trimestre das empresas americanas como fator para reduzir a pressão dos Treasuries. “Pode ter mais fluxos para ações, a depender das surpresas dos resultados, reduzindo o movimento de aversão a risco.”

Outro fator que tem pesado no mercado de câmbio, mas que pode ser resolvido ao longo dos próximos meses é o risco de “shutdown” (quando o governo não consegue mais financiar alguns de seus trabalhos) nos Estados Unidos. Ainda que uma resolução temporária tenha sido encontrada na última semana, o problema segue no horizonte.

“Mesmo tendo se chegado a um acordo, dias depois houve a destituição do presidente do Congresso do país, deixando a situação crítica”, diz a economista-chefe da CM Capital, Carla Argenta.

Apesar desse estresse, ela diz ver parlamentares democratas e republicanos chegando a um acordo. “Mesmo que não se chegue, estamos falando de um efeito inicial nos serviços prestados pelo Estado”, diz. “Se tivesse impacto imediato no pagamento da dívida americana, aí veríamos consequências na dinâmica macroeconômica global, que nos levaria a alterar a perspectiva de dólar no fim do ano, hoje em R$ 5,02.”

Com uma possível reversão de movimentos técnicos e menor estresse por conta do “shutdown”, restaria ainda um peso sobre os juros dos EUA: a resiliência da economia americana. Nesse caso, a percepção que se forma é que, apesar da robustez da atividade, a alta dos preços continua contida. “Os dados econômicos, inclusive os de emprego na sexta-feira, mostram que a atividade não está arrefecendo, mas estabilizando em patamar muito elevado, embora sem contrapartidas inflacionárias e deletérias”, diz Argenta.

Na leitura de Nelson Rocha Augusto, presidente e economista-chefe do BRP, essa pressão recente dos juros ajuda, inclusive, a conter a força da economia dos EUA. “O que está ocorrendo é o que o Fed quer, porque a subida dos rendimentos põe um freio na economia”, diz. “Se a pressão crescer de forma mais desordenada, poderemos ver alguma atitude da autoridade monetária. Por enquanto, as coisas estão em linha com o livro-texto.”

Além dos juros americanos, o desenrolar da questão fiscal no Brasil segue no radar. Por enquanto, ainda prevalece a perspectiva de que o governo não deve mudar sua meta para o ano que vem, e se alterar, vai fazê-lo de forma contida. “Se não zerarmos o déficit, ficaremos com algo em torno de 0,3% a 0,4% do Produto Interno Bruto [PIB]. Com a bagunça que vemos mundo afora, comparando com outros emergentes, vamos exibir um equilíbrio macroeconômico bastante satisfatório”, diz Rocha.

Buccini, da Rio Bravo, diz ver a questão fiscal pesando para o câmbio, caso haja um desinteresse em cumprir o que foi desenhado pelo governo anteriormente. “Tem espaço para piorar [o efeito do fiscal no câmbio]. Qualquer desculpa para não perseguir as metas do superávit vai gerar ruídos. Vai ser ruim se a discussão fiscal indicar que o governo não vai nem tentar cumprir a meta”, afirma.

Se esse tópico realmente gerar estresse e pressionar o dólar para cima, Buccini afirma que haverá margem para o Banco Central reduzir o passo de seu afrouxamento monetário ainda no fim deste ano. “Não é o cenário-base, mas se as receitas continuarem decepcionando e o governo não cortar gastos, deixando a meta do ano que vem intangível, há chances para redução do passo. Da mesma forma, se a inflação voltar a subir ou o ambiente externo piorar”, afirma.

Para o diretor da Rio Bravo, outra variável a ser considerada é a China. “Ainda que não veja muitas novidades por lá, é um ponto de atenção, principalmente por conta dos preços das commodities”, diz.