Instituições financeiras já calculam quais os setores mais afetados pela medida provisória e pelo projeto de lei publicados nesta quinta (31) que reduzem benefícios tributários e aumentam a arrecadação de Imposto de Renda.
A MP permite ao governo federal tributar, a partir de 2024, o aumento de lucro gerado por incentivos fiscais de ICMS (imposto estadual) que não estejam ligados a novos investimentos, criando uma nova sistemática e revogando parte da legislação atual, que gerava debate no Judiciário.
O governo também enviou ao Congresso um projeto que acaba com o mecanismo de distribuição de lucros aos acionistas de empresas JCP (Juros sobre Capital Próprio), que também permitia reduzir o pagamento de IR.
A XP Investimentos diz que, se os grandes varejistas perderem todos os benefícios fiscais, o que inclui também outros não discutidos neste momento, o lucro líquido do setor em 2024 cairia entre 10% e 35%.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, participam de coletiva de imprensa sobre o Orçamento de 2024 – Adriano Machado/REUTERS
“No entanto, acreditamos que a medida do ICMS deve enfrentar uma grande resistência no Congresso e, portanto, é improvável que seja aprovada sem ajustes”, afirmam os analistas da instituição.
Em sua análise, a XP diz que o benefício ligado a créditos presumidos (que tinha decisão favorável do STJ no antigo regime) não está garantido —ponto que não é consenso entre tributaristas.
Da mesma forma, incentivos com decisões jurídicas favoráveis não estão assegurados se for aprovada a mudança na legislação. Também não está claro se os benefícios para a Zona Franca de Manaus estão protegidos, diz a XP.
PROPOSTAS DA REFORMA DO IMPOSTO DE RENDA
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Segundo a instituição, há espaço para judicialização.
A Genial Investimentos afirma que a MP vai impactar principalmente o setor de supermercados. O Grupo Mateus deve ser o mais afetado, segundo a instituição –cerca de 34% do lucro líquido de 2022 do grupo veio de subvenções de investimentos.
A instituição diz também que, do ponto de vista do impacto nas ações, o fim do JCP é algo negativo, uma vez que tal benefício remunerava os investidores de maneira similar a uma distribuição de dividendos. Empresas do setor bancário, telecomunicações, energia elétrica e saneamento seriam as mais afetadas caso o projeto de lei seja aprovado.
Em relatório divulgado em abril, quando o governo já cogitava a mudança na tributação dos incentivos de ICMS, o Santander também estimou que os varejistas seriam os mais impactados, mas disse que algumas empresas podem mitigar o impacto se repassarem esse possível aumento de tributos aos consumidores.
Mudanças na subvenção do ICMS também poderiam impactar negativamente empresas do setor de alimentos e bebidas, segundo o banco.
De acordo com o Santander, no caso do Grupo Soma e da Via, mais de 40% do lucro líquido de 2022 veio de subvenções de investimentos. O percentual está próximo de 30% nos grupos SBF (dono da Centauro) e M.Dias Branco. Ficou próximo de 20% nas empresas Arezzo, Assaí, Hypera e Intelbras.
RESTRIÇÕES AO CRÉDITO FISCAL
O tributarista Sergio Villanova, do Buttini Moraes Advogados, diz que as mudanças trazidas pela MP não se aplicam aos casos de receitas decorrentes de crédito presumido de ICMS, pois existe decisão expressa do STJ no sentido de que não é possível a inclusão dessas receitas na base de cálculo do IRPJ por conta de afronta ao pacto federativo, afirma.
Amanda Gazzaniga, também do Buttini Moraes Advogados, afirma que a MP também obriga a habilitação do contribuinte perante o Fisco. “Isto significa que a RFB precisará criar um sistema, o qual atualmente não existe, e regulamentar um prazo máximo para definir se a pessoa jurídica está habilitada ou não, fato que representa mais um óbice para os contribuintes.”
Diogo de Andrade Figueiredo, sócio do Schneider Pugliese Advogados, afirma que, em relação ao crédito presumido de ICMS, a alteração legislativa não permite a tributação pelo IRPJ e CSLL, na medida em que o STJ decidiu que os referidos tributos federais não incidem sobre esse crédito em razão do pacto federativo.
Segundo ele, contribuintes que não recolhiam IRPJ/CSLL sobre créditos presumidos poderão ajuizar medida judicial para manter a não tributação com base no entendimento do STJ. Para contribuintes que já tinham tal medida judicial, é possível que seja exigida nova ação.
Figueiredo também avalia que será necessário o ingresso de medida judicial para não tributar os créditos presumidos de ICMS pelo PIS/Cofins, em razão do pacto federativo, tema que se encontra pendente de julgamento pelo STF em sede de repercussão geral (Tema 843).
O QUE MUDA COM A MP QUE ALTERA O CRÉDITO DE BENEFÍCIOS FISCAIS
Limitação dos incentivos apenas ao IRPJ (25%) e não mais IRPJ e CSLL (34%)
Não há distinção entre os diferentes tipos de incentivos de ICMS, com as mesmas implicações para créditos presumidos, isenção fiscal, redução fiscal e diferimento fiscal
Remoção dos incentivos fiscais de Imposto de Renda para subvenção de custeio
Critérios mais rígidos para caracterização de subvenções para investimentos
Receita Federal precisa aprovar qualquer subvenção para que a empresa comece a usar o crédito
Prazo mais amplo para reconhecimento dos créditos, dado que as empresas só vão reconhecer os benefícios de acordo com o período de depreciação do ativo